O Dr. João Félix tem uma história de vida dedicada aos estudos e melhoria do desenvolvimento humano. Ele começou a vida acadêmica em Chapada dos Guimarães, onde estudou até a oitava série, continuou os estudos na rede pública de ensino de Cuiabá.

Determinado a fazer Medicina e com uma formação incipiente, teve que se desdobrar para conseguir uma vaga na concorrida UFMT, após muito estudo e dedicação a aprovação veio após três anos. Isso o motivou a ir mais longe. Fez residência médica na própria UFMT (em Ginecologia e Obstetrícia) e o Mestrado, tendo concluído seu doutorado pela USP no ano passado.

Hoje é professor da UFMT e Univag, carreira que abraçou com muito carinho e amor. Para desenvolver ainda mais esta missão, Dr. João Félix participa pela segunda vez de um treinamento da Associação Médica de Ensino Médico (Abem) no Rio de Janeiro.









Por: Dr. João Félix Dias (Professor Ginecologia e Obstetrícia UFMT/Doutor pela USP)

O parto nos primórdios era visto como um ato comandado pela vontade divina. A noção do parto como ato controlado pela vontade humana é relativamente recente na história da Medicina. A Obstetrícia nasce como disciplina científica na França, nos séculos XVII e XVIII, tornando-se uma especialidade médica. Ainda no final do século XIX uma grande proporção dos partos ocorria em ambientes domiciliares.

Em Cuiabá, data de 1942 a fundação da Maternidade “Sociedade de Proteção à Maternidade e Infância de Cuiabá”, um marco na assistência obstétrica em Mato Grosso. Desde então, a assistência obstétrica por aqui vinha mantendo esse padrão: Uma sala de pré-parto coletiva com número variável de pacientes, sem privacidade e separadas de seus acompanhantes, padrão que ainda predominava até o final da última década nas instituições que prestavam assistência à rede pública. 

Com a expansão da rede de hospitais privados observada nos anos 80 e 90, a saúde em Cuiabá assume um caráter predominantemente privado, pelo crescente número de clínicas e hospitais, bem como um ritmo lento de implantações de hospitais na rede pública. Na rede privada o pré-parto foi abolido, visto o declínio do parto normal nas estatísticas. Apesar dos avanços tecnológicos incorporados à rede hospitalar não houve queda das intervenções médicas na assistência aos nascimentos.  

Desde então as elevadas taxas de cesarianas na rede privada espelham a Obstetrícia predominante.  A crescente melhoria das técnicas cirúrgicas, de esterilizações biológicas dos instrumentais cirúrgicos, a evolução dos antibióticos e dos anestésicos e  das técnicas de anestesia, a acessibilidade da população à maioria dos centros fez com que as taxas de intervenções médicas no nascimento evoluíssem para níveis discrepantes dos observados em outras partes do mundo.  

                                          Foto: Zas Estúdio

Mesmo com as escolas médicas e de enfermagem, a inauguração dos hospitais universitários, como o  Júlio Muller nos anos 80 e outros, a assistência ao nascimento não se fez seguir pelas mudanças nas estatísticas.

No início da década passada o Ministério da Saúde tomou a iniciativa de estimular a humanização do nascimento, sendo que no Brasil o índice de cesarianas é o mesmo panorama observado em Cuiabá. Desde então o conceito de parto humanizado vem sendo estimulado nas maternidades públicas e conveniadas.

As elevadas taxas de cesariana nos nascimentos motivaram mudanças mais intervencionistas da Agência Nacional de Saúde suplementar (ANS) na tentativa de melhorar os níveis discrepantes em relação às taxas recomendadas pela OMS.  A resolução estabeleceu normas para estímulo do parto normal e a consequente redução de cesarianas desnecessárias na saúde suplementar.

As novas regras ampliaram o acesso à informação pelas consumidoras de planos de saúde, que poderão solicitar às operadoras os percentuais de cesáreas e de partos normais por hospitais e  até  por médico.

Outra mudança trazida pela nova resolução é a obrigatoriedade das operadoras fornecerem o cartão da gestante, de acordo com padrão definido pelo Ministério da Saúde, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal. De posse desse cartão, qualquer profissional de saúde terá conhecimento de como se deu a gestação, facilitando um melhor atendimento à mulher quando ela entrar em trabalho de parto.

As operadoras de saúde terão que orientar para que os obstetras utilizem o partograma, documento gráfico onde são feitos registros de tudo o que acontece durante o trabalho de parto.

Bom para quem?

As mudanças preconizadas pela ANS atingem em  cheio um setor médico de sensível importância social. O nascimento é um momento especial na vida do ser humano, aliás, dois seres, a mulher que está nascendo como mãe e o bebê que nasce para esta vida. Incertezas, dúvidas e angústias,  o nascimento sempre foi permeado pela insegurança, era comum nas famílias do passado a presença de um ente vitimado pelas intercorrências no parto.  Após a evolução da técnica médica e dos materiais e medicamentos, foi se estabelecendo no meio social a cultura da cesárea. Com hora marcada e quase sempre desrespeitando a natureza e a fisiologia do parto, quase um evento social.

A cesárea movimenta um setor que abrange  médicos, hospitais, planos de saúde, indústrias de fios e instrumentais  cirúrgicos, anestésicos e demais medicamentos usados no tratamento pós operatório.  Assim como está estabelecida, a sociedade já se acostumou com os partos agendados, as horas marcadas, as datas definidas, se estabelecendo o senso comum de cobrar da gestante qual é a data do parto.

Autonomia do médico

A autonomia de atuação do médico de forma a zelar pela vida e saúde do seu paciente permanece intocada. Conforme o Código de Ética Médica, aos médicos  são garantidos a autonomia e liberdade profissional, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência, salvo em situações de ausência de outro médico.  A postura do médico deve ser respeitada, visto estar amparado em normas do Código de Ética. O posicionamento do profissional fica mais transparente com as normas adotadas. A paciente que no exercício de sua autonomia optar pelo parto operatório terá suas garantias, assim como a mulher que  desejar passar pela prova do trabalho de parto terá informações confiáveis do médico, do  hospital e da ANS.

Autonomia da paciente

O Código de Ética Médica estimula a  melhoria do relacionamento do médico com o paciente e a garantia de maior autonomia à sua vontade. A autonomia do paciente  em recusar o tratamento médico existe e é respeitado pelo código.  É claro,  significando uma quebra da relação médico paciente. Neste caso específico, cabendo a gestante procurar uma segunda ou terceira opinião. O  Código de Ética Médica em sua evolução reforça a autonomia do paciente e o esclarecimento de forma adequada sobre as condições e todos os detalhes dos tratamentos propostos a ela. A  decisão da paciente ou de seu representante legal na escolha do tratamento médico, é garantida, salvo em situações de iminente risco de morte, sendo vedado ao médico desrespeitar esse direito.

Pressão para melhoria da rede assistencial

A medida adota pela ANS visa diminuir as altas taxas de cesáreas desnecessárias na rede suplementar, consequentemente a procura pelo parto normal será crescente.  Um ponto sensível nesse panorama que se desenha é a inadequação dos hospitais.  A estrutura física dos hospitais para atender o parto normal, no conceito do PPP estabelecido pelo Ministério da Saúde desde 2001,  é visível na rede suplementar. A necessidade de melhoria das estruturas físicas das maternidades em Cuiabá é urgente. Essas novas medidas, aliadas  à demanda crescente vão exercer pressão sobre a estrutura inadequada atual, forçando mudanças para melhor.

O aspecto econômico como instrumento de mudança cultural

Por fim o ponto sensível para que a mudança ocorra é o financeiro. Os honorários médicos e hospitalares terão que mudar para que essa nova cultura se estabeleça hegemonicamente. Os custos  hospitalares e de honorários médicos devem aumentar por conta das novas estruturas a serem criadas para atender os novos tempos.


O sucesso da nova medida será resultado do envolvimento de todas as partes envolvidas, como paciente, médico e hospitais.